terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

segunda à noite quase terça


A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio, com os meus medos, com os meus gritos, com a minha culpa, com o meu arrependimento.

A minha memória não sabe o que é memória e conta histórias que eu as criei, as distorci e as esqueci, para lembrar-me de novo delas, com a mesma culpa e o mesmo medo, onde a memória já é memória de outro. Tal como as histórias podem ser histórias de alguém mais.


Sabia que há minha volta tudo era diferente e há minha volta tudo é diferente. As pessoas falavam noutras línguas, sorriam em outras línguas, respiravam em outras línguas e, em outras línguas, tinham tardes de maio e árvores junto à praia. Tinham árvores em outras línguas e praia em outras línguas. Tinham calor da tarde em outras línguas e olhares em outras línguas.


Tu não estavas. Eu não estava. Tinhamos outras línguas e tu outras praias com outras árvores.


Sorrias. Porque o mundo era tão simples. Era tão simples. Era tão simples. E eu não vi o teu sorriso porque sorrias noutras línguas. Beijavas outras línguas. Sussurravas outras línguas. E eu apenas deixei que o fim de tarde chegasse, o escurecer do azul em si mesmo para que à noite, no escuro que não escurece, procurasse de novo ficar à distância de um beijo de ti, e então, deixar que o silêncio chegasse aos nossos lábios porque o silêncio chegava e estaria carregado de palavras, praias, árvores, pessoas e um azul escuro quase negro.


Tu não estavas. Eu não estava. Tinhamos outras línguas e tu outras praias com outras árvores.

Um comentário:

Beno disse...

O silêncio é a melhor das línguas para se falar. Podem haver árvores noutras línguas, praias noutras línguas, o calor da tarde noutras línguas, olhares noutras línguas, suspiros noutras línguas, sussurros noutras línguas, mas em todas elas o (nosso) silêncio é entendido da mesma maneira.
Com o silêncio digo-te isso tudo e ainda tenho espaço para te fazer acreditar em mais.